quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O Feijão e o Sonho



É fato que as crianças são sonhadoras e os adultos são realistas. Na vida adulta devemos nos preocupar com as questões mais urgentes (pagar o aluguel, cobrar uma dívida, enviar um e-mail pro chefe, consertar o chuveiro...) e deixar em segundo plano as ditas “pequenas coisas”.
Mas será possível conciliar aqueles simples desejos infantis com o mundo de gente grande? Eu me esforço para acreditar que sim. Quando criança, costumava pensar: “os adultos são mesmo muito bobos, pois eles têm dinheiro e ficam gastando com várias coisas chatas, ao invés de comprar bombons. Se eu tivesse dinheiro...” Para me manter coerente com meus pensamentos dessa época, tomei uma atitude peculiar: ao receber meu primeiro salário, comprei uma caixa de bombons.
E o que pode ser feito no dia-a-dia para que não nos tornemos tão caretas e velhos com o passar dos anos? Acho que cultivar os sonhos é muito importante. Mesmo que eles se distanciem da idéia original. Aprendi que devemos deixar de sonhar e passar a ter projetos, pois isso sim é realidade. Colocar no papel tudo o que queremos e traçar metas claras e objetivas, descobrir um caminho para a concretização do que se passa na nossa cabeça. Mesmo que isso signifique mudar de cidade, sair de um emprego, terminar um relacionamento, encarar uma verdade que fingimos não enxergar.
Foi assim que conduzi minha vida até então. Transformei minhas vontades em projetos com começo, meio e fim. Abri mão de estar perto dos grandes amigos e da família, mudei de cidade, explorei novas possibilidades profissionais e venci a maior parte dos meus medos. Tudo isso construído de maneira extremamente racional e sobre uma sólida base de ceticismo. Aprendi a duvidar e questionar sempre. Constatei que a maioria das situações está contra a nossa vontade. Mas pode ser que a maioria das pessoas queira nos ajudar, basta ficar atento e observar quem está por perto.
Com a inevitável invasão da realidade em nossas vidas, entramos em conflito com nossas metas mais antigas, pois precisamos daquele dinheirinho pra comprar o feijão. O universo do trabalho nos consome e nos torna menos sonhadores. Devemos comprar o feijão de hoje e o de amanhã... E o de depois de amanhã... Assim, não sobra muito tempo pra filosofar sobre a vida ideal ou sobre como tudo parece mais belo nos filmes da Disney.
Quando eu tinha quatorze anos, decidi que queria aprender a tocar bateria e viver de música. Esse era o sonho. E, para que não faltasse o feijão, acabou virando projeto. Ou seja, não bastava subir no palco, era preciso dar aulas, fazer gravações, escrever partituras, ensaiar (muito!!), estudar (todos os dias), freqüentar reuniões, debater com empresários e produtores, administrar o ego (o meu e o dos outros), encarar rotinas de até doze horas diárias de trabalho, perder o sono, ganhar olheiras. Tudo isso e mais um pouco.
Assim, aprendi a viver no mundo adulto e me acostumei com a falta de poesia no cotidiano. Até que uma conversa com meu grande amigo Humberto (um sujeito mais cético do que eu, diga-se de passagem) me trouxe uma nova visão desse eterno conflito do mundo real. Num longo diálogo telefônico, em meio a um assunto que envolvia trabalho e planos concretos sobre um futuro próximo, ele disse: “Cara, espera um pouco... Você viu a lua hoje?” Imediatamente retruquei: “Que papo é esse? Tô aqui falando coisa séria e você me vem com esse lance de olhar pra lua? Logo você, o admirador da ciência e defensor do racionalismo?” Do outro lado da linha, vinha a resposta: “Tô falando sério... Olha a lua aí... Não é ela que é muito grande, nós é que somos pequenos demais... Pensa nisso. E vê se lembra que você só tem projetos porque um dia teve um sonho.”
Parecia conversa de universitário bicho-grilo em acampamento, mas resolvi refletir uns dias sobre isso. Realmente, somos muito pequenos. Tão pequenos, que muitas vezes nossos problemas são maiores que nós e acabam nos vencendo. E daí? Nem sempre o artilheiro faz um gol, nem sempre a Ferrari ganha a corrida, nem sempre conquistamos nossos objetivos. Quando o projeto falha, pode ser um bom momento pra voltar a sonhar. E quando tudo está dando certo, é bom lembrar que começou com uma idéia quase ingênua, um delírio infantil. Como uma criança desejando bombons.
Os sonhos jamais devem sair da lista de tarefas do dia. Só não podemos esquecer de guardar aquele trocado pra comprar o feijão.

(texto originalmente publicado em algum blog de pouca relevância)

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